Em 1996, Jack Kevorkian, médico patologista americano apelidado de “Dr. Morte”, foi entrevistado pelo âncora Andy Rooney no programa 60 Minutes, da rede de TV americana CBS.
A esta altura, Jack já tinha assistido a morte de 28 pacientes – em sua carreira, ele ajudou mais de 130 pacientes terminais a encerrarem existências que doenças terminais tinha tornado insuportáveis.
Abaixo, alguns trechos que expressam a clareza e coerência do seu raciocínio em defesa do direito das pessoas de morrer sem sofrimento.
A morte natural pode oferecer uma “boa morte”?
Acho que sim. A maioria das pessoas sonha com um ataque cardíaco. De preferência durante o sono.
Quando você decide que a morte é a melhor saída para um paciente?
Não sou eu que decido. É o paciente.
O paciente é um bom juiz para essa decisão?
Ele é o único juiz que conta para essa decisão. Como médico, é meu dever avaliar cada situação com todas as informações, a expertise e a experiência que eu puder reunir. E determinar se a decisão do paciente é medicamente justificável. As duas coisas devem andar juntas: o desejo do paciente e a opinião do médico.
[Nesse ponto, o advogado de Jack, diz:]
“O governo não tem direito de dizer quanto sofrimento você deve aguentar antes de morrer”
Os esquimós abandonam seus velhos à morte sobre um pedaço de gelo. O que você acha disso?
É brutal. Estamos fazendo a mesma coisa com nossos velhos em hospitais.
Hoje, o único modo legal de você ajudar uma pessoa que está em coma a partir é cortando sua água e sua comida. Com isso, a Suprema Corte americana está validando o método de execução que os nazistas usavam nos campos de concentração. É desumano.
Se alguém não consegue mais viver, é preciso conceder a ela uma morte rápida e indolor, na forma de uma injeção. Você não pode matar essa pessoa à míngua. Isso é inconcebível. Mas nossa legislação considera que essa é a única coisa ética a fazer.
A lei tem lhe impedido de agir da melhor maneira com seus pacientes?
Sem dúvida. Eles tiraram minha licença, me suspenderam, me impediram de prescrever e de acessar drogas.
O que os médicos acham de você?
Excetuando aqueles que são muito religiosos, mais da metade dos médicos que eu conheço apoiam o que faço.
Você é religioso?
Talvez eu seja. Mas minha religião não é convencional.
Religião é um sentimento interior. Eu tenho o meu. Meu deus é Johann Sebastian Bach. Por que não? Vocês inventaram um deus. Esse é o meu deus. Pelo menos ele não é inventado.
Se o que você faz se tornar legal, isso pode se tornar uma nova fonte de receitas para médicos e hospitais?
Sim. Se você deixar qualquer médico ter essa prerrogativa. Existem maus médicos. Pode haver abuso, como em qualquer outra atividade.
Todos os médicos poderiam acompanhar procedimentos de morte assistida?
Precisa haver uma certificação. Preferencialmente outorgada não pelo governo, mas por associações médicas. Assim como há para especialidades médicas, como a cirurgia cardíaca. É um bom jeito de controlar a atividade.
Que você acha da pena de morte?
Sou neutro. Mas tendo a concordar com Sócrates, Platão e outro filósofos que admitem que há situações em que a pena de morte é aceitável.
Que você acha do aborto?
É uma escolha da mulher. Sou pela autonomia do indivíduo. Uma pessoa adulta e consciente tem o direito de fazer o que quiser consigo mesma.
E quanto à autonomia do feto?
A questão de o feto ser uma pessoa ou não, ou ter direito à autonomia ou não, não pode igualar ou superar o direito estabelecido da mãe à autonomia sobre seu próprio corpo.
Você cobra das pessoas para ajudá-las a morrer?
Não. [O advogado diz que ele tivesse aceitado, estaria na cadeia.]
Dinheiro não deveria estar involvido nesse tipo de situação extrema. Na verdade, dinheiro não deveria ser cobrado para tratar doenças, porque toda doença é uma situação extrema – mas a medicina se transformou num negócio.
O médico [que acompanha mortes assistidas] deveria receber um salário fixo. Primeiro, o médico não buscaria se envolver em mais procedimentos para ganhar mais. Sua tendência, inclusive, seria trabalhar o menos possível para receber aquele salário. Depois, isso previniria abusos.
Como você vive, em termos financeiros?
Eu me preparei porque sabia o que viria pela frente. E vivo modo frugal. Não ligo para restaurantes ou carros. Nem para o lugar onde moro ou para as roupas que visto.
Você tem medo de ir para a cadeia?
Não.
Eu não sou um criminoso. O mundo sabe que não sou um criminoso. Por que me colocariam na prisão? Perdemos o senso comum nessa sociedade por causa de fanatismo religioso e dogma. Estamos baseando nossas leis em mitologia. Isso não vai funcionar.
Todos os grandes problemas que temos hoje no mundo têm fundo religioso.
Como você se diverte?
Irritando as pessoas. (Risos)
boamorte.org não é um site de incentivo ou de divulgação do suicídio. E não apoia quem o faz.
Procure ajuda. Especialmente se você é jovem e não é portador de doença incurável ou incapacitante.
Não tome nenhuma decisão solitária ou precipitada. Converse. Fale. Ouça. Informe-se.
A vida com qualidade é sempre a melhor opção.
boamorte.org é um espaço de discussão sobre o direito de morrer de modo humanizado, com dignidade – o derradeiro direito civil a ser conquistado. E a ser exercido somente em casos de sofrimento insuportável, em geral no fim da vida, quando a espera pela morte natural se tornar inaceitável.
A morte voluntária assistida, tanto na versão autoadministrada quanto na versão administrada por terceiros, constitui um procedimento ilegal hoje no Brasil
