Relembrando Peter Goodwin: a última entrevista, quatro dias antes de morrer

Peter Goodwin, médico de família que teve atuação fundamental para o avanço da causa pelo direito à morte digna e humanizada nos Estados Unidos

Peter Goodwin, médico de família e um dos maiores ativistas pelo direito à morte com dignidade nos Estados Unidos, encerrou sua própria vida em 11 de março de 2012, aos 83 anos. Quatro dias antes, ele dava à jornalista Belinda Luscombe, da revista Time, sua última entrevista.

Abaixo, a entrevista em texto traduzida. E o vídeo com as respostas de Peter em sua própria voz.

Peter não parecia uma pessoa à beira da morte. Ele estava alegre e alerta. Tinha ainda um brilho travesso nos olhos. No entanto, como resultado de sua doença fatal – a Degeneração Corticobasal (DCB), uma degeneração neurológica progressiva e rara, semelhante ao Mal de Parkinson – ele não podia mais usar a mão direita, e nem tinha muita confiança na esquerda. Andar já era difícil para ele; as escadas eram particularmente traiçoeiras. Peter não queria morrer. Mas a morte estava chegando de qualquer maneira. E ele não queria esperar.

“Não posso mais comer em público”, disse Peter. “Meu equilíbrio está se deteriorando gradualmente. Meus três médicos concordam que estou a seis meses de morrer. Um deles, a meu pedido, me deu a receita de uma medicação para eu acabar com minha vida.”

No Oregon, os médicos não podem administrar injeções para acabar com a vida do paciente, mas podem prescrever medicamentos letais para pessoas mentalmente competentes que sejam capazes de tomar a droga sem ajuda de ninguém e que tenham menos de seis meses de vida. Essas prescrições são cobertas pelo seguro de saúde.

Peter, nascido em 1929, encerrou sua vida porque queria morrer em casa. Não é que não aguentasse mais viver nem que estivesse enfrentando uma dor insuportável. Mas ele queria morrer entre a família. Então planejou sua morte para que seus quatro filhos e seus cônjuges pudessem estar lá, incluindo seu filho mais novo, que é piloto da Marinha americana lotado na Coréia do Sul.

Durante a entrevista, Peter chorou várias vezes ao vislumbrar que estava indo embora e que não estaria mais envolvido com a vida de seus familiares.

Peter foi criado na África do Sul. Seu primo foi réu no julgamento de Rivonia, ao lado de Nelson Mandela. Sempre ativista, Peter queria que sua morte significasse algo. A questão moral de se os médicos devem permitir que pessoas com doenças terminais encerrem suas vidas ainda não está resolvida nos EUA. Atualmente, o suicídio assistido por médicos é permitido apenas nos estados do Oregon, Washington e Montana.

Os eleitores do Oregon aprovaram o Death With Dignity Act nas urnas em 1994. Ela foi promulgada três anos depois, depois que uma disputa jurídica – uma nova eleição foi realizada, e o DWDA venceu, contra a petição que buscava revogá-lo.

Entre 1997 e 2012, 597 pessoas fizeram uso do acesso à morte assistida. Peter, que ajudou três pacientes a morrer de acordo com a legislação – e um paciente antes mesmo do advento do DWDA – lutou incansavelmente, ao longo da vida, para mudar as atitudes das pessoas em relação à morte.

Peter deu inúmeras palestras e entrevistas sobre a importância das diretivas antecipadas – o Testamento Vital – como instrumento de controle do indivíduo sobre o que vai acontecer com ele no final da vida.

Peter queria que o fim da sua própria vida fosse o mais suave possível – o que ele sempre reinvindicou para seus pacientes. Ele lutava para que o indivíduo estivesse no controle. Também era um grande defensor de pessoas pudessem escolher antecipar o momento de ir embora, em vez de permitir aos médicos ficarem tentando curá-las por prazo indeterminado, sem levar em consideração o sofrimento que os tratamentos possam acarretar ao paciente.

“Os médicos são ensinados a tratar. E muitas vezes continuam tratando e tratando e tratando”, disse Peter. “É muito, muito difícil porque eles têm muito em seu arsenal – tantas novas maneiras de tratar o câncer, tantas novas maneiras de tratar doenças cardíacas – é muito difícil para os médicos desistirem”.

Peter morreu exatamente como queria: meia hora depois de tomar a dose letal do medicamento prescrito por seu médico, em casa, cercado por seus filhos.





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