Michael Irwin, médico britânico nascido em 1931, foi diretor médico das Nações Unidas em Nova York até se aposentar. Michael é um defensor de longa data da eutanásia voluntária e ajudou vários de seus pacientes terminais a morrer oferecendo quantidades fatais de drogas para aliviar seu sofrimento.
Michael presidiu a Voluntary Euthanasia Society (hoje Dignity in Dying), até 2005. Em 2009, fundou a Society for Old Age Rational Suicide (SOARS), hoje My Death, My Decision – entidade que faz campanha para mudar a lei que regula o acesso à morte com dignidade no Reino Unido, para que pessoas idosas, mentalmente competentes e que sofrem com problemas de saúde, sejam legalmente autorizadas a receber assistência médica para deixar de viver.
Michael também foi presidente da World Federation Right to Die Societies e, em julho de 2019, ao completar 79 anos, concedeu essa entrevista a Sarah Bosley, editora de Saúde do jornal inglês The Guardian.
Dr. Michael Irwin já embarcou em cinco aviões para a Suíça com alguém que não voltou. Em breve ele completará 90 anos e acha que talvez esteja chegando o momento em que poderá dizer que teve o que chama de “uma vida completa”. Nesse caso, a passagem só de ida até a sede da Dignitas será para ele.
Michael, médico aposentado, trabalhou por 32 anos para as Nações Unidas, principalmente em Nova York. Ele concorda que atualmente tem “uma vida muito boa”. Sentado ao sol, tomando chá no jardim do pátio da Royal Over-Seas League em Londres, de costas para o Green Park, deve ser difícil pensar em deixar de viver. Ele tem três filhas e oito netos, uma parceira que ele chama de “minha quarta esposa, embora não sejamos casados” e está almoçando com os outros membros do clube.
“Hoje tenho uma existência muito confortável”, diz ele. “Mas sei, pela minha formação médica, que as coisas não vão melhorar – elas vão piorar progressivamente. E o ponto quase certamente virá quando eu disser ‘obrigado, vivi uma boa vida, vivi mais do que a maioria das pessoas, está na hora de dizer adeus da maneira mais decente possível’.”
No site Ninety Plus, dedicado a pessoas com mais de 90 anos que já tiveram “uma vida completa”, Michael defende a disponibilidade de morte medicamente assistida para aquelas pessoas acima dessa idade que sentem que já viveram tudo o que queriam na vida, e que não querem passar pelo processo de declínio físico que os próximos anos inevitavelmente trarão.
Até os 55 anos, Michael ainda jogava squash. Ele tem sido um homem fisicamente ativo cuja mente igualmente enérgica não parece muito abalada pelos anos. Quando perguntado como pode sentar em um belo jardim e considerar a morte, ele pensa por um momento, e diz: “O maior problema que tenho hoje é a falta de energia”.
“Quando algum evento social, como um almoço ou jantar, é cancelado, eu muitas vezes penso – ‘graças a Deus, posso ficar em casa com um bom livro ou assistir algo na TV’”, diz ele.
Muitas pessoas 30 anos mais novas que ele podem pensar o mesmo. “Sim, mas isso se torna um fator preponderante à medida que você envelhece. A energia é uma quesito importante da qualidade de vida que eu sinto que está mudando com o passar do tempo.”
Michael diz que está ficando fisicamente debilitado. Ele se apóia pesadamente em uma bengala e usa sapatos especiais. “Sofri um acidente de carro há cerca de 10 anos e tive danos graves na parte inferior da coluna, além de fraturar minha perna esquerda, duas costelas e o esterno. Tem sido cada vez mais difícil andar agora. Tenho muito pouca sensibilidade nos pés. Isso está cada vez pior”, diz. “Sei que, com o tempo, isso impedirá minha locomoção.”
Michael vive com sua parceira, Angela Farmer, 74, há 20 anos, entre a casa dela e seu apartamento. Ele costumava voar para Nova York, onde suas filhas moram, a cada seis meses. Mas deixou de fazê-lo nos últimos três anos.
Michael diz ter bons genes. Seu pai viveu até 90 anos e sua mãe, até quase 96. “Se eu viver confortavelmente até 90 ou 92, estarei satisfeito”, diz ele. “Mas chegará o momento em que ficará óbvio que a morte natural está próxima. E eu quero viver ao ponto de ficar totalmente dependente dos outros.”
Michael, ex-presidente da Voluntary Euthanasia Society – agora chamada de Dignity in Dying – escoltou cinco pessoas para a morte. “Foram mortes muito pacíficas e desejadas”, diz ele. A primeira dessas pessoas foi May Murphy, 75 anos, que sofria de atrofia de múltiplos sistemas, uma deterioração progressiva do sistema nervoso. Era 2005. Enquanto comia um sanduíche no avião de Glasgow para Zurique, May brincou: “Talvez esta seja minha última refeição.” No apartamento da Dignitas, nos arredores de Zurique, ela ergueu o copo de Nembutal em um brinde de agradecimento a Michael e a seu filho, que se juntou a ela na Suíça.
O segundo paciente conduzido por Michael foi Dave Richards, 61, que tinha a doença de Huntington. À terceira pessoa que ajudou, Raymond Cutkelvin, que tinha câncer no pâncreas, Michael deu £ 1,500.00 (mil e quinhentas libras, algo como 10 mil reais) para cobrir os custos da viagem para ele e seu parceiro Alan Rees até a Suíça.
Rees tornou-se um ativista e desafiou a polícia a prendê-lo por suas ações, o que eles fizeram em 2009. A polícia também prendeu Michael, mas depois de 11 meses sob fiança, ele foi informado de que não seria acusado. O Telegraph publicou a manchete “Dr. Morte foi considerado velho demais para ser julgado”. “Alguns amigos me escreveram perguntando: que outros crimes você pode cometer agora e se safar?”, disse Michael.
Em 2011, ele acompanhou uma amiga próxima e colega ativista pelo direito de morrer com dignidade, Nan Maitland, em sua jornada final. Nan sofria de uma extensa osteoartrite e decidiu que não queria ir adiante sem poder mais fazer as coisas de que gostava. Com outra amiga, Liz Nichols, Michael e Nan tiveram um “jantar maravilhoso” em Berna e no dia seguinte foram para o apartamento pertencente a EX International, outro grupo que facilita a morte medicamente assitida na Suíça, cujos membros Nan conhecia.
“Você toma um antiemético cerca de meia hora antes de ingerir a dose letal de Nembutal. Foi assim com Nan. Então ficamos ali, com ela, sentados, esperando”, diz Michael. “Eu não sabia o que dizer. Sobre o que falar nessa última meia hora? Foi quando Nan olhou para as próprias unhas e disse: ‘você tem uma lixa aí com você, Liz’?
“Sentei ao lado dela quando ela bebeu o Nembutal. Eu tinha um pouco de chocolate e o ofereci a ela, porque é uma substância amarga. Nan tomou rápido o remédio. E eu perguntei: ‘Você quer o chocolate?’ Ela disse: ‘Não, obrigada. Não é tão ruim.’ Essas foram suas últimas palavras. Ela estava inconsciente em cinco minutos. E morta em 20”.
“Acho que os médicos devem ser envolver, não apenas para que a lei britânica mude, mas também para opinar sobre a gravidade da situação dos pacientes, para garantir que as pessoas sejam mentalmente competentes para decidir, e para supervisionar o processo aplicado para encerrar aquela vida”, diz Michael.
“Hoje os médicos podem ajudar as pessoas que decidem morrer recusando comida e água”, diz Michael. Quando um bom amigo dele em Oxford decidiu morrer dessa forma, seu médico, que se opunha ao suicídio assistido, concordou em dar-lhe medicação para aliviar sintomas como cólicas abdominais e insônia.
O General Medical Council, da Inglaterra considerou esse procedimento lícito.
“Se o paciente for mentalmente competente e decidir passar fome, seu médico é obrigado a tratar os sintomas que surgirão”. Portanto, diz Michael, “desde que esteja agindo de maneira compassiva, um médico pode ajudar um indivíduo que decidiu deixar de viver. Alguns médicos são o pior tipo de hipócrita quando se trata de saúde”.
Em 1991, o juiz holandês Huib Drion defendeu que todas as pessoas com mais de 75 anos deveriam ter direito a uma pílula letal se quisessem encerrar suas vidas. “Três décadas depois, 90 anos seria mais realista”, diz Michael, enquanto adiciona açúcar ao seu chá. “A propósito, só bebo Dubonnet [um aperitivo francês]. Em pequenas doses.”
Michael não tem pressa de morrer, mas teme um acidente vascular cerebral (AVC) incapacitante. Como humanista, ele diz que não se preocupa com o que vem depois da morte. “Isso ninguém sabe. Então vamos tentar tornar este mundo um lugar melhor, que é o que está ao nosso alcance. Minha abordagem é humanista. Eu ficaria feliz se houvesse algum tipo de vida após a morte. Ficaria feliz em reencontrar meus pais. Talvez exista uma boa causa que necessite do meu ativismo por lá também. Mas não me incomoda que não haja existência alguma depois que você deixar esta aqui”, diz ele.
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A morte voluntária assistida (MVA) é um direito civil ainda indisponível no Brasil.