Quem é Erika Preisig, presidente da Lifecircle, líder mundial do movimento pelo direito à morte assistida

A médica suíça Erika Preisig, criadora da Fundação Eternal Spirit: a favor da morte assistida, contra a eutanásia

Erika Preisig, médica e presidente da Associação Lifecircle e da Fundação Eternal Spirit, com sede na Basileia, na Suíça, é uma das líderes globais do movimento pela morte assistida e pelo direito individual à autodeterminação.

Erika nasceu na Basiléia, na Suíça, é mãe de três filhos e trabalha como clínica-geral desde 1985. Trabalha com cuidados paliativos há 21 anos. E desde 2005, vem trabalhando com Medical Assistance in Dying (MAID). Primeiro na Dignitas. Depois, na Lifecircle, que ela fundou em 2011 e com a qual tem ajudado pacientes, suíços e estrangeiros, a morrer com dignidade, sem dor ou sofrimento.

Em outubro de 2021 Erika deu uma longa entrevista ao site SWI swissinfo.ch, plataforma jornalística ligada à Swiss Broadcasting Corporation (SBC). Essa entrevista está reproduzida abaixo.


Por que sua organização presta assistência a pessoas de países onde o suicídio assistido é ilegal?

Porque a morte assistida é um direito humano. Cada ser humano pode decidir quando, onde e como quer morrer.

Muitas vezes, quando as pessoas viajam para a Suíça para morrer, sofrem de uma doença grave e não estão aptas para viajar. Se eles pudessem ter a oportunidade de ter uma boa morte em seu país de origem, não teriam que fazê-lo aqui. A morte assistida deveria ser legal em todo o mundo.

Trabalho há 21 anos com cuidados paliativos de pacientes, como médica de família. Mesmo com bons cuidados paliativos, no final da vida, às vezes, você vê as pessoas morrerem de maneira horrível.

Cerca de 15 anos atrás, meu pai morreu por morte assistida; ele sofria de uma doença incurável. Ele sentou ao meu lado e tomou o remédio, colocou a cabeça no meu ombro e morreu. Não havia sofrimento, problemas, medo. Então comecei a pensar: os cuidados paliativos são o único caminho? Você tem que continuar vivendo mesmo quando está muito incapacitado pela velhice ou pela doença?

Desde então, em paralelo ao meu trabalho com cuidados paliativos, tenho trabalhado também com ajuda a pacientes que desejam morrer por suicídio assistido.

As pessoas decidem se querem casar, ter filhos, que alimentos vão ingerir. Mas elas não têm permissão para escolher como encerrar sua vida.


Ao contrário da Holanda, a Suíça não permite que os médicos injetem um paciente com a dose letal final. Você acha que a eutanásia ativa também deve ser legalizada na Suíça?

Não.


Por que não?

Não quero matar ninguém. As pessoas poderiam dizer que eu sou covarde. Mas quem deve ativar o medicamento intravenoso é o paciente, com segurança e sem sofrimento.


E quanto aos pacientes com deficiência motora grave ou paralisia?

Eles também podem fazê-lo. Temos uma pequena máquina que permite abrir a válvula com a língua ou apenas movendo um pouco a cabeça. O único caso em que não podemos prestar assistência é para alguém com Síndrome do Encarceramento (ou Locked-In Syndrome, distúrbio neurológico raro em que os músculos voluntários ficam completamente paralisados, exceto aqueles que controlam os olhos). Mas quando desenvolvermos uma tecnologia que permita ao paciente abrir a válvula movimentando os olhos, isso será possível.


Muitos pacientes que sofrem de saúde mental também desejam morrer por suicídio assistido. Os regulamentos suíços tornam muito difícil para eles receberem a luz verde. Você acha que a Suíça deveria abrir a porta para eles?

Para isso, precisamos de mais psiquiatras que possam julgar a capacidade mental do paciente. Há tantas pessoas que sofrem de doenças mentais em todo o mundo e temos muito poucos psiquiatras fazendo essa triagem. Não podemos aceitar estrangeiros com doenças mentais. Não temos desenvolvida a capacidade de atendê-los corretamente.


Como seria a atuação desses psiquiatras?

Se uma doença mental é incurável, tanto quanto uma doença física, a morte assistida deve ser permitida. Por exemplo, se alguém esteve em uma clínica psiquiátrica três vezes, ainda é bipolar, deprimido ou esquizofrênico e não deseja continuar vivendo. Nesses casos, isso pode ser comparado a uma doença física incurável. É um direito humano que essa pessoa, se estiver sã e consciente, tenha o direito de morrer, da mesma forma que alguém com uma doença física.


Embora mais pessoas optem por morrer por suicídio assistido, existem apenas algumas organizações que fornecem esse serviço. Por que é assim?

Após cada caso de morte assistida, a polícia e o legista vêm para uma inspeção legal. Você não se sente confortável sendo questionado todas as vezes. Seria necessário rever este processo.

Muita coisa deve mudar na Suíça. A morte assistida deve fazer parte do trabalho normal de um médico, tanto quanto administrar antibióticos. Você tem que ter muito cuidado ao prescrever antibióticos, assim como você deve ter muito cuidado numa cirurgia. Da mesma forma, você também deve ter cuidado com a morte assistida. É a mesma coisa. Não precisamos de mais organizações especializadas. Precisamos de mais médicos engajados.

Nos cuidados paliativos, faço injeções de morfina ou uma sedação terminal. É trabalho de médico. Todos confiam em mim. Sem polícia, sem inspeção. Mas quando eu apoio um paciente num caso de morte assistida, tenho que enfrentar uma enorme burocracia e uma inspeção policial.


Qual você acha que é a maior razão para os países não legalizarem o suicídio assistido?

As pessoas sempre falam sobre o efeito de slippery slope a que isso pode levar. [Algo como efeito “bola de neve”, em que uma ação que visa um primeiro resultado relativamente pequeno e focado acaba gerando uma cadeia de eventos que culminam em consequências não-previstas originalmente.]

O medo é que a legalização da morte assistida acabe levando abusos e acarretando em mortes indevidas. Mas isso nunca aconteceu na Suíça, nem no Canadá, onde a eutanásia é legal.

Outro grande problema é a religião. Nossos adversários mais fortes são os católicos. Alegam que a Bíblia diz que você não tem permissão para se matar: Deus lhe deu sua vida e só Deus pode lhe tirar a vida.

Nós, médicos, tentamos evitar a morte a todo custo. Mas nunca nos perguntamos: e se a vontade de Deus for levar essa pessoa para o Céu mais cedo? Uma pessoa com câncer terminal ou demência avançada têm mesmo que morrer de uma maneira horrível? Será que é isso mesmo que Deus quer e que a Bíblia prega? Será que nós temos mesmo que manter essa pessoa viva, à revelia do seu desejo e do seu sofrimento?


Você acha que o suicídio assistido será legalizado em todo o mundo?

Pense no início e no fim da vida. Muitos países legalizaram o aborto. Por que matar um ser humano que não está doente e deseja viver? Se esse nascituro tivesse voz, ele gritaria: “me deixe viver”.

Já no final da vida, se alguém disser: “Me deixe morrer, não quero continuar vivendo desse jeito”, muitos daqueles mesmos países não respeitariam esse desejo.

Acho que teremos o mesmo número de países legalizando a morte assistida quanto o número de países que legalizaram o aborto. Dentro de cinco ou dez anos. Tenho certeza disso.


Você acha que o sistema suíço é melhor que o da Holanda?

Na minha opinião, o modelo suíço é a melhor opção. Aqui, o paciente tem a palavra final sobre sua vida.

Os médicos não devem poder decidir se uma vida não vale a pena ser vivida. Se os médicos podem aplicar a injeção, como você pode ter certeza de que esse era realmente o desejo do paciente?


Alguns críticos alertam que a legalização do suicídio assistido pode levar alguns negócios a se beneficiarem.

Já fomos acusados ​​tantas vezes por pessoas que dizem que prestamos assistência à morte apenas por dinheiro. Para evitar isso, toda organização ligada à morte assistida deveria ter suas receitas e despesas fiscalizadas pelo governo.


Na Suíça, existem regulamentos para exigir que organizações ligadas ao suicídio assistido divulguem publicamente sua contabilidade?

Não há regulamentação. Eu não concordo com isso.


O que sua organização faz pela transparência?

A Associação Lifecircle é ligada à Fundação Eternal Spirit. Temos nossa contabilidade verificada duas vezes por ano pelo governo.


Sua atuação na morte assistida é seu trabalho em tempo integral?

Não. Se fosse, eu me mataria (risos). Esse é um trabalho que você faz pelos outros, não por você mesmo.

Todas as pessoas que trabalham para a Lifecircle têm outra profissão. Elas trabalham conosco meio período. Eu mesmo ganho a vida como médica de família.


Você já pensou em desistir?

Há cinco anos, fui acusada de assassinar uma senhora suíça muito idosa. Ela estava em uma ala psiquiátrica por três meses e foi diagnosticada com depressão. Conversei com o filho dela, o chefe da casa de repouso onde ela estava hospedada e seu zelador. Mas não consegui encontrar um psiquiatra para fazer a avaliação.

Quando você enfrenta um processo judicial por assassinato e pensa que fez tudo com rigor e correção, você se pergunta, por que estou me submetendo a isso? Em seguida, você pensa: por que eu não desisto? Mas há tantas pessoas que confiam em mim e que precisam da minha ajuda… É por isso que continuo.




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A morte voluntária assistida, tanto na versão autoadministrada quanto na versão administrada por terceiros, constitui um procedimento ilegal hoje no Brasil

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