Faye Girsh: “Valorizo ​​a vida com qualidade, mas não uma existência em que não seja mais capaz de fazer as coisas de que gosto”

Faye Girsh: “Defendo a escolha. A minha é deixar de existir assim que descobrir que deixarei de ser competente para levar uma vida autônoma e independente.”

Nascida em 1934, Faye Girsh é uma das mais longevas ativistas do movimento pelo direito de morrer nos Estados Unidos.

Faye foi presidente da Hemlock Society de 1996 a 2004, substituindo seu fundador, Derek Humphry. Ao lado desta posição nacional, ela fundou a Hemlock Society de San Diego em 1987 e foi sua presidente por 22 anos.

Faye também foi presidente da World Federation Right do Die Societies e atualmente atua como membro do conselho da WFRTDS.

Faye fundou ainda o programa Caring Friends, que acabou se transformando na Final Exit Network.

Faye é doutora em Desenvolvimento Humano pela Universidade de Harvard. Foi Professora Associada e Presidente do Departamento de Psicologia do Morehouse College por 9 anos, Pesquisadora Associada na Universidade de Chicago e lecionou nas Universidades Roosevelt e Northwestern. Por 18 anos ela atuou como psicóloga clínica e forense em San Diego.

Em 2019, Faye foi entrevistada pelo San Diego Union-Tribune. Você lê abaixo uma versão traduzida e editada dessa conversa com o jornalista John Wilkens.


Mesmo agora, aos 85 anos, vivendo em uma comunidade universitária para aposentados, onde o fim da vida está mais próximo do que uma mera noção futura e abstrata, Faye encontra pessoas que não gostam de conversar sobre o tema.

Ela aprendeu a esperar. Quando estiverem prontas, aquelas pessoas se aproximarão dela com uma proposta de diálogo: “Podemos almoçar?”

Então seus anos de experiência como líder do controverso movimento pelo direito de morrer, tanto em San Diego quanto nacionalmente, virão à tona.

Faye acaba de se aposentar como presidente da Hemlock Society of San Diego, mas ela não parou de discutir o tema.

Faye acha que uma boa vida merece uma boa morte.

Em maio de 2019, uma pesquisa do Instituto Gallup mostrava forte apoio à morte assistida: 65% dos americanos eram a favor do Physician-Assisted Death (PAD), acima dos 51% registrados seis anos antes.

Ela admira o trabalho de Jack Kevorkian, também conhecido como “Dr. Morte.” E acha que o California Option Act é muito restritivo em termos de quem pode usá-lo. Essa opinião é um dos pontos de maior atrito entre Faye e os grupos religiosos, organizações de direitos dos deficientes e outros opositores do suicídio assistido.

Mas os entrevistados permaneciam divididos em relação aos apectos morais dessa decisão: 54% disseram que o suicídio assistido é “moralmente aceitável”, e 42% disseram que é “moralmente errado”. Esses números têm permanecido estáveis no últimos anos.

As águas turbulentas que cercam a questão da autodeterminação em relação ao fim da vida são uma das razões pelas quais as chamadas leis de morte com dignidade promulgadas na Califórnia e em cinco outros estados americanos (mais o distrito de Columbia) foram estritamente focadas em pacientes mentalmente competentes, portadores de doenças terminais e com expectativa de vida curta.

Decepcionada com a lentidão dos processos jurídicos e legislativos – o que acarreta muita dificuldade para os pacientes obterem a medicação letal – Faye descobriu outras maneiras de ajudar as pessoas que buscam encerrar sua existência.

Uma dessas soluções alternativas é o que ela acha que pode ser seu legado mais importante.

No final da década de 1990, o debate sobre o suicídio assistido era intenso. Jack Kevorkian, um médico patologista, por sua conta, havia ajudado na morte de mais de 130 pacientes que tinham concluído que suas vidas já não valiam a pena. Ele foi preso várias vezes, e acabaria sendo condenado por assassinato em segundo grau. O “Dr. Morte” passou oito anos na prisão.

Grupos que defendem o direito de morrer persuadiram os eleitores de quatro estados americanos a pedir que medidas de suicídio assistido fossem aprovadas por seus representantes. O Oregon foi o primeiro estado a regular o direito de morrer.

Os ativistas acreditavam que o impulso estava dado. Dois processos que contestavam a constitucionalidade das proibições de suicídio também estavam a caminho dos tribunais federais.

Em paralelo, uma lei, do estado de Washington, tornava crime, punível com cinco anos de prisão e uma multa de 10 000 dólares, causar conscientemente ou ajudar alguém a tentar o suicídio. Essa lei foi revogada por um juiz do tribunal distrital. E, em seguida, por um tribunal de apelação.

A batalha jurídica foi parar na Suprema Corte. Em 1997, por decisão unânime, a Suprema Corte concluiu que não havia um direito constitucional amparando a morte assistida. E deixou para os estados elaborarem estatutos estabelecendo os casos em que o procedimento poderia ser permitido.

Faye diz ter se sentido devastada. Ela era, então, presidente da Hemlock Society, associação nacional a favor do direito de morrer, com 27 000 membros e sede em Denver, no Colorado. “Pensamos que estávamos fazendo tudo certo”, disse ela. “Ganhamos duas vezes nos tribunais inferiores. E apesar da decisão da Suprema Corte, ainda estávamos recebendo muitas ligações de pessoas que queriam morrer.”

Em San Diego, na filial da Hemlock que ela fundara em 1987, havia um grupo de apoio para doentes terminais. Ali se falava de questões ligadas ao fim da vida, se encaminhavam pacientes para cuidados paliativos e para clínicas de controle da dor.

As pessoas decididas a encerrar sua vida eram apresentadas ao livro Final Exit, um manual de instruções escrito em 1991 pelo fundador da Hemlock Society, Derek Humphry.

Na esteira da decisão da Suprema Corte, no entanto, essa abordagem não parecia mais ser humana o suficiente. “Você não pode simplesmente dizer a uma pessoa que lhe procura pedindo ajuda: ‘Leia a página 85 e boa viagem’”, diz Faye.

Então ela fundou a Caring Friends, um programa nacional para treinar os pacientes nas várias etapas da morte. O primeiro grupo de 28 voluntários foi treinado em San Diego. “Não é ilegal fornecer informações e não é ilegal estar com uma pessoa quando ela morrer”, diz Faye.

Os oponentes da morte assistida ficaram horrorizados. “Eu não acho que matar alguém seja um exemplo de como cuidar bem deles”, disse Richard Doerflinger, funcionário da Conferência Nacional dos Bispos Católicos em Washington, D.C. “Achamos que a verdadeira tarefa que os pacientes moribundos precisam é de alguém que faça companhia a eles e valorize suas vidas.”

Vinte anos depois, o programa ainda existe, com o nome de Final Exit Network . Os conselheiros são chamados de guias de saída. E eles ainda são objeto de controvérsia em meio ao debate em andamento nos Estados Unidos sobre o direito de morrer. Mais de 20 outros estados americanos estão considerando leis que permitiriam o suicídio assistido, de acordo com o Death With Dignity National Center, um grupo de defesa com sede em Oregon.

Faye se diz assombrada com o fato de que o dinheiro inicial para o programa de treinamento dos guias de saída tenha vindo do testamento de uma mulher do Arizona que terminou sua vida com um tiro. “Deve haver uma maneira melhor”, disse Faye. “Acho uma injustiça não permitirmos às pessoas uma saída pacífica e digna.”

Ela espera que em dez anos os Estados Unidos se aproximem do modelo canadense, que tem requisitos de elegibilidade mais inclusivos para aqueles que desejam morrer. Mas ela também aprendeu com a experiência a não fazer previsões.

Em 1991, numa entrevista a este San Diego Union, ela previu que o suicídio assistido por médicos estaria amplamente disponível até o ano 2000. Isso não aconteceu.

Ela também brincou na mesma entrevista que planejava viver até os 150. É provável que isso também não vá acontecer.

O que parece mais seguro é o modo como Faye deseja que sua própria saída final aconteça.

“Valorizo ​​uma vida com qualidade, mas não uma existência em que eu não seja mais capaz de fazer as coisas que gosto, em que não consiga mais reconhecer amigos e pessoas queridos, em que eu esteja dependente dos outros, em que seja lembrada como alguém incompetente e intratável”, ela escreveu certa vez em uma carta.

“Defendo a escolha. A minha é terminar minha vida assim que descobrir que esse é o meu futuro.”



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A morte voluntária assistida, tanto na versão autoadministrada quanto na versão administrada por terceiros, constitui um procedimento ilegal hoje no Brasil

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