Jack Kevorkian: “A morte assistida deveria ser um serviço médico regular. Os pacientes deveriam poder contar com seus médicos”

Jack Kevorkian: “Uma juíza disse: ‘Agora nós paramos você’. É claro que não me pararam. Vou continuar lutando pelo direito à autodeterminação do indivíduo e pelo meu direito de fazer o que precisa ser feito, do jeito certo.”

Em 2010, Jack Kevorkian, médico patologista americano apelidado de “Dr. Morte”, foi entrevistado pelo âncora Anderson Coooper no programa 360 na CNN, por ocasião do lançamento do filme Você não conhece Jack.

Jack morreria no ano seguinte, aos 83 anos.

A primeira pessoa que Jack auxiliou, num procedimento de morte assistida, foi Janet Adkins, em junho de 1990, em Portland, no estado do Oregon – que viria a ser, em 1997, o primeiro estado americano a legalizar a morte assistida. Janet tinha 54 anos e sofria do Mal de Alzheimer.

Em março de 1999, Jack foi julgado e condenado no estado do Michigan por homicídio doloso (com intenção de matar) ao ter aplicado, ele mesmo, no ano anterior, a droga letal em Thomas Youk, paciente de 52 anos que sofria de esclerose lateral amiotrófrica (ELA). Jack seria solto, em liberdade condicional, oito anos depois, em 2007.

Abaixo, alguns trechos dessa entrevista.


Quantas pessoas você ajudou a morrer?

Um pouco mais de 130. O único médico que me ajudou ao longo dessa jornada foi um psiquiatra. A primeira paciente que ajudei a morrer foi Janet Adkins. Tivemos que realizar o procedimento numa van porque ninguém quis nos oferecer um lugar decente. Eu procurei asilos, hospitais, igrejas. E no apartamento dela não era viável, porque isso poderia acarretar problemas para sua família e até para o proprietário do imóvel.

Como é acabar com a vida de alguém num carro?

Eu não fiz nada disso para encerrar a vida de ninguém. Eu o fiz para encerrar o sofrimento que estava atormentando essas pessoas. O que um médico faz diante de uma situação assim? Vira as costas e abandona pacientes em agonia? Isso é o que covardes fazem.

Muitos médicos agem assim…

Porque eles são covardes. Médicos são covardes. Eles não farão nada que traga riscos para seus bolsos ou para suas reputações.

Você já teve pesadelos ao lembrar das mortes assistidas que facilitou?

Não. Nunca. Um médico não pode ter pesadelos com procedimentos médicos. Ou ele não pode exercer a medicina.

Acabar com uma vida não é triste?

Claro que é. Ninguém gosta de morrer. Se um paciente tem um câncer na perna, e precisa amputar essa perna, você acha que o médico o faz com prazer? Ou com alegria? Claro que não. O médico amputa a perna porque essa é a ação necessária para estancar o câncer de tomar o resto do corpo do paciente, numa tentativa de salvar aquela vida.

Quem lhe critica afirma que você age como se fosse Deus…

Você acha que o médico que amputa a perna do seu paciente para salvar-lhe a vida age como se fosse Deus? Médicos fazem isso o tempo todo.

Toda vez que você interfere com o curso natural das coisas, você age como se fosse Deus. Toda vez que vai ao médico procurando por ajuda, você está interferindo na vontade de Deus. Claro que as pessoas fazem isso porque querem viver mais, sem sofrimento.

Você é um homem religioso?

Não. Deus existe? Eu não sei. Eu sou um cientista. Médicos são cientistas.

Você tem medo de morrer?

Tanto quanto qualquer outra pessoa. Eu temo porque gosto muito da vida e estou saudável.

Você passaria por um procedimento de morte assistida?

Claro. Eu faço isso por mim também.

É meu direito constitucional de fazer o que quiser com meu corpo. Qualquer coisa que eu quiser, desde que isso não afete outros e que eu dê minha permissão. Esse direito natural está sendo ignorado em nosso país. Eu só ajudo pacientes apenas com sua expressa permissão, depois de ter apresentados a eles todas as informações relevantes.

Você usa métodos diferentes em processos de morte assistida…

Sim. No começo, tive que inventar um jeito de fazê-lo. Um paciente tetraplégico me procurou. Eu poderia abreviar sua vida, como ele desejava, mas isso seria ilegal. Então eu tive que criar um meio em que o próprio paciente pudesse terminar sua vida. Foi aí que criei a máquina em que o paciente só precisa apenas apertar um botão para injetar as soluções em seu corpo.

Também usei monóxido de carbono, porque tiraram minha licença e eu não pude mais ter acesso às substâncias controladas. Eles tornaram o procedimento mais difícil para mim e principalmente para o paciente. Eles não dão a mínima para o bem-estar do paciente.

Houve um paciente em que você mesmo injetou a substância…

Sim, Thomas Youk. Eu queria ser julgado, e trazer essa discussão para a opinião pública. Queria poder defender meu ponto de vista em detalhes nos tribunais e levar essa questão até a Suprema Corte.

Quando você assiste o vídeo dessa morte, o que vem à sua cabeça?

Penso que a lei me forçou a fazer isso do modo mais indigno. A família do paciente não estava lá. Tivemos que fazer isso sozinhos, para não comprometer ninguém mais que estivesse presente lá. A lei é cruel. Ele não levam em consideração os interesses do paciente.

Você é um homem livre agora?

Sim. Estive em liberdade condicional por dois anos depois que saí da cadeia.

Você ajudaria outros pacientes a morrer?

Sim. Desde que não corra o risco de ir para a prisão novamente. Pessoas continuam me procurando por ajuda. Mesmo quando eu estava preso eu recebia cartas com pedidos de ajuda. Uma juíza disse: “Agora nós paramos você”. É claro que não me pararam. Vou continuar lutando pelo direito à autodeterminação do indivíduo e pelo meu direito de fazer o que precisa ser feito, do jeito certo.

Hoje, nos três estados em que a morte assistida é permitida, a lei não está correta. Principalmente porque a ação do médico ainda é ilegal. Então a morte assistida ainda não é um serviço médico. O médico deveria poder injetar a substância, com toda a segurança. Isso deveria ser um procedimento médico regular. Espero que possamos superar a visão religiosa que impede isso de acontecer.





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A morte voluntária assistida, tanto na versão autoadministrada quanto na versão administrada por terceiros, constitui um procedimento ilegal hoje no Brasil

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